Resolução Anatel nº 765/2023 (Novo Regulamento Geral de Direitos do Consumidor em serviços de Telefonia): o que muda em relação à Resolução 632/2014 e onde estão os maiores riscos de litígio.

Resumo executivo (1 minuto):

  • A Resolução nº 765/2023 aprovou o novo Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC), revogando integralmente a Resolução nº 632/2014.
  • A vigência plena do novo RGC foi prorrogada para 1º de setembro de 2025, mantendo-se em vigor apenas dispositivos pontuais desde 2023.
  • As mudanças concentram-se em suspensão por inadimplência, transparência de ofertas, migrações de planos, atendimento e rastreabilidade de protocolos — pontos que tendem a aumentar o contencioso se não houver governança e compliance regulatório.

1) Contexto e vigência

A Resolução nº 765/2023 institui o novo RGC, substituindo o marco de 2014. Embora o texto previsse entrada em vigor geral em 2 de setembro de 2024, o Conselho Diretor da Anatel prorrogou a vigência integral para 1º de setembro de 2025, preservando, desde 10 de novembro de 2023, apenas dispositivos específicos (entre eles, regras sobre governança/implantação). Na prática, 2024–2025 foi um período de transição normativa com potencial de controvérsias sobre a lei aplicável a fatos ocorridos entre a revogação da 632/2014 e a plena eficácia do novo RGC.

2) Principais diferenças e impactos esperados no contencioso

Suspensão e rescisão por inadimplência

O novo RGC detalha a notificação prévia de débito, prazo mínimo de antecedência e comunicação sobre motivos, valores e consequências.

Impacto: risco de ações por suspensão indevida quando falharem forma e conteúdo da notificação; pedidos de restabelecimento e danos morais; debates sobre qual regime se aplica durante a transição.

Cobrança durante suspensão parcial (“serviço não utilizado”)

A prestadora não pode cobrar a parcela do serviço não disponibilizada ao consumidor enquanto perdurar a suspensão por inadimplência.

Impacto: discussões sobre base de cálculo; pedidos de restituição (inclusive em dobro, quando cabível).

Migração automática e alteração de ofertas

Reforço de transparência e consentimento na migração de ofertas/planos, com comunicação prévia e possibilidade de reversão.

Impacto: litígios por migrações sem consentimento expresso; alegação de prática abusiva e manutenção de condições originalmente contratadas.

Extinção/alteração de planos e promoções

A lógica de comunicação prévia foi redesenhada, com maior ênfase em transparência do que em prazos rígidos.

Impacto: insegurança sobre necessidade/forma do aviso; aumento de ações contra alterações unilaterais sem comunicação adequada.

Atendimento e canais (24h em casos urgentes, protocolos, registro de ofertas)

Exigências mais claras de rastreabilidade (protocolo desde o início do atendimento; histórico por período mínimo).

Impacto: crescimento de demandas por ausência de protocolo, negativa de informação ou demora na solução.

Ponto físico de atendimento

O novo RGC flexibiliza a obrigatoriedade de atendimento presencial em todos os municípios.

Impacto: contestações por desativação de pontos físicos (direito adquirido/expectativa legítima).

Transparência contratual e publicidade

Reforço de deveres de clareza sobre condições, penalidades e prazos; padronização e registro de ofertas.

Impacto: incremento de discussões sobre cláusulas abusivas e publicidade enganosa; potencialização de ações coletivas.

Direito à informação cadastral do originador de chamadas

A regra expressa de acesso administrativo do destinatário aos dados cadastrais do originador (prevista no regime antigo, com alterações em 2020) não foi reproduzida de forma literal no novo RGC.

Impacto: controvérsias sobre manutenção/supressão do direito; debate com o Marco Civil da Internet e normas de privacidade.

Aplicação durante a transição 

A coexistência de normas e datas escalonadas gera dúvidas de retroatividade/ultratividade.
Impacto: decisões divergentes até consolidação jurisprudencial.

3) Questões jurídicas centrais (o que deve ir para o radar)

  • Princípio da vulnerabilidade (CDC): dúvidas interpretativas tenderão a ser resolvidas em favor do consumidor.
  • Abusividade/onerosa excessiva: migrações automáticas, suspensão indevida e cobrança em bloqueio podem ser enquadradas como práticas abusivas.
  • Danos morais e ações coletivas: a ampliação de deveres de comunicação/atendimento aumenta a responsabilização civil por falhas recorrentes.
  • Conflito de normas e lacunas: disputas sobre qual regulamento regerá fatos pretéritos/contratos anteriores à vigência integral do novo RGC.
  • Controle judicial da regulação: questionamentos sobre alcance/legitimidade de exigências operacionais (registros, protocolos, padronizações).
  • Direito adquirido e expectativa legítima: preservação de condições consolidadas na vigência da 632/2014 versus aplicação imediata das novas regras.

4) Como as empresas devem se preparar 

  1. Mapeamento normativo e cronograma: versionar contratos, políticas e jornadas de atendimento conforme o novo RGC, com trilha de auditoria.
  2. Notificações e suspensão por inadimplência: revisar conteúdo, prazos e canais; garantir logs e entrega.
  3. Migração/alteração de ofertas: padronizar rotinas de consentimento, comunicação e reversão; guardar evidências.
  4. Rastreabilidade e protocolos: garantir geração e envio de protocolo no início do atendimento e histórico mínimo exigido.
  5. Treinamento e governança: capacitar front e backoffice; criar comitê de incidentes regulatórios e plano de resposta.
  6. Monitor de litígios: classificar riscos por tema (suspensão, migração, atendimento, publicidade) e ajustar a régua de acordos.

5) Conclusão

O novo RGC moderniza o regramento consumerista do setor, mas desloca o foco para transparência, consentimento e rastreabilidade. Em paralelo, a flexibilização de antigos comandos e a fase de transição criam zonas de atrito. Quem se antecipar – alinhando contratos, notificações, atendimento e registros – tende a reduzir passivo e ganhar previsibilidade na relação com consumidores e reguladores.

Paulo Henrique Bispo da Gama

Autor:

Paulo Henrique Bispo da Gama

Coordenador

Graduação: Direito, Universidade de Mogi das Cruzes
Pós-graduação: Processo Civil (Centro Universitário UniDomBosco)

paulo.gama@raadvogados.adv.br