A validade da intimação por edital em alienação fiduciária de imóvel é o centro de um importante julgamento iniciado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A discussão busca definir se as mesmas regras de esgotamento de meios de localização do devedor, exigidas no procedimento extrajudicial, devem ser aplicadas no âmbito judicial. O julgamento, no entanto, foi suspenso por um pedido de vista, deixando o cenário em aberto para uma decisão futura que poderá impactar credores e devedores. Confira os detalhes na matéria a seguir.
O relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, havia votado para dar provimento ao recurso da devedora fiduciante, ao reconhecer a irregularidade da intimação por edital.
A 4ª turma do STJ suspendeu, nesta terça-feira, 2, o julgamento de um recurso especial após pedido de vista do ministro João Otávio de Noronha. O relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, havia votado para dar provimento ao recurso da devedora fiduciante, ao reconhecer a irregularidade da intimação por edital que não observou os requisitos do §4º do art. 26 da lei 9.514/97, e propor a conversão do pedido de anulação do procedimento em indenização por perdas e danos a serem apuradas em liquidação.
O caso discute se, quando realizada em sede judicial, a intimação por edital do devedor fiduciante deve cumprir os requisitos específicos do §4º do art. 26 da lei 9.514/97 – publicação em jornal de grande circulação por três dias consecutivos, com prazo de purgação da mora contado da última publicação -, ou se a natureza judicial do procedimento dispensaria tais exigências.
Segundo o relator, a lei 9.514/97 estabelece um regime especial para a consolidação da propriedade na alienação fiduciária, com efeitos gravosos ao devedor (perda da posse e do direito real de aquisição), o que impõe rigor na intimação, sobretudo quando por edital, dada sua natureza presumida. Para o ministro, os requisitos legais não são “meras formalidades”, mas condições essenciais para assegurar ciência e oportunidade de purgação da mora.
Fatos do processo
Nos autos, a devedora foi intimada judicialmente por edital uma única vez no Diário de Justiça Eletrônico. Decorrido o prazo, o credor designou leilões extrajudiciais; a devedora ajuizou ação anulatória com pedido de tutela para suspender os certames, que foi indeferida. O TJ/SP manteve a improcedência, entendendo que a via judicial dispensaria a observância do §4º do art. 26.
O imóvel foi posteriormente arrematado por terceiros de boa-fé, com emissão na posse.
Fundamentos do voto do relator
Segundo o relator, a mora na alienação fiduciária tem natureza ex re(automática), mas a lei exige intimação prévia para viabilizar a purgação (art. 26).
O §4º do art. 26 impõe, para a intimação por edital, publicação em jornal de grande circulação por três dias consecutivos e contagem do prazo a partir da última publicação.
Conforme afirmou Antonio Carlos, a adoção da via judicial não afasta as garantias materiais da lei especial; interpretar de modo diverso permitiria que a escolha processual do credor ampliasse ou restringisse direitos do devedor.
Reconhecida a irregularidade e sendo impossível a reversão da propriedade (terceiros de boa-fé com posse emitida), a solução é indenizatória, sem equivaler, automaticamente, ao valor do imóvel, mas ajustada ao prejuízo decorrente do vício procedimental, concluiu o ministro.
Debate entre os ministros
Durante o julgamento, ministros levantaram preocupação com a fixação de balizas para as perdas e danos, sugerindo esclarecer que a liquidação seja por arbitramento e que se considere, por exemplo, o desconto de parcelas não pagas. Houve também ponderações de que, no caso concreto, teriam sido feitas múltiplas tentativas de intimação pessoal por oficiais de justiça e que a devedora foi dada por notificada judicialmente em processo próprio – circunstâncias que motivaram manifestação no sentido do desprovimento do recurso.
Diante das divergências – tanto sobre a aplicação do §4º do art. 26 em contexto judicial quanto sobre a extensão da indenização -, o ministro João Otávio de Noronha pediu vista.
Processo: REsp 2.211.604